Escurecia naquele domingo, 15 de junho de 2092, e
Eduardo preparou-se para hologramar sua auto-avaliação diária de bem-estar.
Acabara de consertar o sistema subterrâneo de
refrigeração de ar que não usava desde o último verão. Um verão em que a máxima
atingira 38 oC nas praias em que chegava em menos de duas horas,
descendo de bicicleta pela estrada exclusiva a ciclistas da serra onde morava.
Pensou na Rio+100 e lembrou que seu pai comentava que na terça-feira da Rio+20,
em junho, a temperatura tinha ultrapassado 35 oC na mesma região.
Olhou o equilibrador de demanda energética da região serrana da megalópole que
unia as antigas cidades de São Paulo, onde nasceu, e do Rio de Janeiro, onde passou
sua infância. Resolveu que usaria fontes eólicas para contribuir com o balanço
geral. Até porque ele e um grupo de amigos investiam suas poupanças em títulos
de dívida das cooperativas Éolo, a maior dentre as nove empresas que cuidavam
deste sistema; a que já tinha atingido o tamanho máximo permitido. Pensou que
devia transferir o dinheiro para a principal concorrente, a cooperativa
Bóreas-Nótus, proveniente de uma recente fusão. Transferiu a água coletada
naquele dia ao reservatório central e a sobra desviou para a rede comunitária.
A destinação seria para comunidades de menor poder aquisitivo. Apesar da
população na região que correspondia ao antigo Brasil ter se estabilizado em
cerca de duzentos e vinte milhões de habitantes, e das questões de educação e
saúde terem sido de fato universalizadas eficazmente com gestão local, uns quatro
milhões ainda dependiam de apoio comunitário para energia, água e saneamento.
Em especial naquela região, onde ainda havia enchentes nos meses de janeiro e
fevereiro, apesar do modelo político com governança baseada na bacia
hidrográfica inteira, que havia sido implantado com apoio de seu pai. A
otimização do balanceamento energético intra e inter-regionais era um dos temas
da Rio+100. Com bons indicadores de equilíbrio, a região poderia ser
beneficiada na próxima alocação de recursos filantrópicos para o
desenvolvimento das artes arquitetônicas e crédito para as micro-empresas da
região. O micro-prefeito, maior autoridade politica daquela bacia, agradeceria.
Seu pai lhe explicara que anteriormente
este tipo de crédito era chamado “a fundo perdido”. Que nome estranho... Já se
provara cientificamente que este tipo de recurso era o que proporcionava maiores
incrementos no nível geral de bem-estar, além dos diretamente beneficiados
pelos projetos caros e demorados. Ainda bem que aquele dogma da taxa de juros e
as "penitências" pelo pecado de não cobrá-las, haviam sido
questionados e repensados de forma estrutural... Ele lembrou também da batalha
que houvera para reduzir a importância relativa indicador PIB e enraizar os novos
indicadores criados após a Rio+20. Estes sim relevantes como fundamentos para
políticas públicas.
Na Rio+100, Eduardo apresentaria sua nova obra
teatral, baseada na metáfora do balanceamento dinâmico de fontes energéticas
com o também dinâmico balanceamento de valores entre gerações distintas.
Crianças de até cinco anos honrariam seniores de mais de noventa. Ainda estava
cansado e feliz pelos ensaios exaustivos da semana anterior... Engajado, não
sentia o tempo passar... Mas já estava com 84 anos e nem o descanso físico que
se permitiu na sexta, sábado e domingo, com caminhadas pela Mata Atlântica
tinham sido suficientes para restaurá-lo completamente...
Pensou na humanidade e nos problemas atuais, que o
faziam sofrer muito. A questão de como lidar com os mutantes, seres superativos
que não dormiam e eram responsáveis por 75% dos crimes de violência e
homicídios ao redor do globo; uma minoria que aumentava a taxas enormes, frente
a uma população global estabilizada em torno de nove bilhões de habitantes
desde 2075. O desafio da estagnação do índice de Gini em determinadas regiões:
apesar da média global estar em 0,270 (valor próximo do das antigas França e
Finlândia na época da Rio+20), ainda havia regiões com índice de 0,500 (patamar,
ascendente mas ainda ruim, do Brasil oitenta anos antes). O mistério do efeito
das emissões globais de CO2 sobre a biodiversidade: apesar de controladas desde
2050, previsões científicas se provaram otimistas demais e muitas espécies
continuavam sendo extintas. As hipóteses recentes indicavam relação com a
mudança de padrões das explosões solares, também sendo estudadas pelos melhores
cientistas. Havia ainda a alta discrepância nos resultados do PISA entre os
povos próximos que habitavam e cuidavam da Floresta Amazônica, ainda que
sujeitos a métodos educacionais similares. Enfim, muitas preocupações.
Sorriu ao pensar que esses “genes preocupados”
advinham do pai: “Nas costas, sinto o peso do mundo; a leveza do canto matutino
de pássaros na alma”...
Assim como eram do pai os genes que o fizeram
sofrer com a derrota da seleção brasileira para a seleção argentina na Copa de
2090. O futebol ainda mobilizava multidões, e tornou-se de fato unanimidade global
após a operação global anticorrupção liderada pelo FBI. A prisão conjunta e
congelamento dos bens de mais mil envolvidos, inclusive políticos, foi um dos marcos
históricos da nova era.
A Copa do Mundo lembrava da antiga divisão política
do mundo, enquanto a geopolítica modificava-se aceleradamente, numa nova lógica
de ecossistemas econômicos e sociais. A Copa de 2090 fora aberta com apresentação
dos Brazilian Globe Soccers. A
arrecadação seria convertida para o grupo de meninas dançarinas malabaristas da
região da floresta Amazônica, as Green
Girls que a mãe sempre mencionava que se inspiraram num antigo grupo
chamado Blue Man. Ambos os projetos
tinham sido idealizados e implementados pelo pai, antes de entrar na política em
2016, ano das Olimpíadas no Rio de Janeiro.
Finalmente se deu conta que divagava; respirou
fundo e focou nas memórias do dia. Escolheu os três eventos principais para
guiar sua autoanálise. Pela manhã reunira-se holograficamente com a irmã:
meditaram em conjunto, em homenagem ao pai e à mãe. Vinte e cinco anos antes,
aos cem anos do pai, o casal se dispôs ao suicídio assistido para doação de órgãos
cujos tecidos e células, conjuntamente, salvaram dez crianças que não estavam respondendo
aos tratamentos biogenéticos. Aquele era o enigma que a irmã Luana, com 82
anos, desejava um dia resolver: quais os determinantes que impossibilitavam
0,5% das crianças entre três e sete anos não poderem se aproveitar da nova
tecnologia que por radiação e meditação controlada, corrigia, ainda na primeira
infância, riscos de tumores. A irmã colaborava com a cooperativa de alta
tecnologia de onde morava, localizada na região do mesmo campus onde o pai se
graduara, na época em que o sistema educacional se baseava unicamente em
presença física em instituições chamadas “universidades”.
Eduardo classificou a conversa com a irmã como um
evento de “Significado”, posto que seu florescer pessoal dependia muito de
interação com pessoas queridas, mediadas pelo prazer da arte e exercícios.
Sorriu ao pensar que tal característica certamente tinha vindo dos genes de sua
mãe. A meditação fora conduzida com apoio do equipamento de variação luminosa
que ajudava na estabilização do cérebro em ondas teta, facilitadoras de estados
de criação e originalidade; ao fundo acústico de uma releitura da
"1812" Overture, Op. 49 de Tchaikovsky. A experiência mereceu uma boa
avaliação.
Outro evento importante foi o encontro com
Ahmadinho e Levi. Os três tinham estudado teatro-artesanal-musical juntos na
região do Tibete, um país que ainda se mantinha com as mesmas fronteiras
originais, pelo efeito simbólico que carregava. Os três haviam se especializado
no estilo conatus, e se formaram no
mesmo ano em que o Tibete foi simbolicamente consagrado com o centro humano da
arte e da espiritualidade.
Enquanto Eduardo voltou ao ponto do planeta que era
a fonte de energia limpa e de alimentação saudável para a maior parte da
humanidade, os amigos resolveram morar juntos em Jerusalém. Participavam da
comunidade que discutia e negociava uma unificação teológica global. Ainda
tinham muito trabalho com os conservadores de cada uma de suas comunidades
originais... Infinitas reuniões holográficas e presenciais... Eduardo não
acreditava no sucesso de tal empreitada. Porém sabia que carregava “genes
céticos” e por isso pouco discutia sua opinião com os amigos. O judeu e o muçulmano
aproveitaram a Rio+100 para visitá-lo e era isso que importava. Enquanto
retiravam frutas do pomar do telhado, para o lanche da tarde, Levi fez um
comentário sobre decisões de Israel nos anos anteriores à Rio+20. Eduardo notou
ligeira mudança na face de Ahmadinho. Emocionalmente treinado, ele não
retrucou, mas Eduardo sentiu a tristeza no amigo muçulmano e se sentiu impelido
a conversar com ele. Puxou papo sobre longos caminhos curtos e curtos caminhos
longos e desandaram a conversar sobre o rabino Nilton Bonder. Levi entendeu a
deixa, entrou na conversa com análises elogiosas do Alcorão e o clima voltou ao
normal. Eduardo era bom nessas coisas. Considerou aquilo um evento de “Relacionamento”
e se deu uma nota média-alta. Embora tivesse obtido resultado desejado, ainda
se sentia “mal pelos outros” e queria se forçar a trabalhar a sentir a merecida
positividade nesse tipo de situação, que racionalmente sabia ser uma de suas
virtudes de grande potencial humano.
O grande evento do dia tinha sido assistir, com os
amigos, o histórico filme holográfico “A Batalha Correta”. O cinema evoluíra e
a tecnologia permitia mostrar personagens e cenários em quatro dimensões, a
obra recontava sobre o encontro de líderes mundiais, duas semanas depois da
Rio+20. O evento Rio+20 fora considerado um fiasco. Apesar do clima pacífico,
predominavam confrontos irracionais entre o primeiro, o segundo e o terceiro
setor. Conflitos ideológicos de posições que dificultavas o diálogo sobre reais
interesses. As vozes aumentavam de tom.
Mas à Rio+20 seguiu-se o encontro político
histórico, um episódio ilustrativo do potencial der reação da raça humana; do
porquê da espécie ainda estar no topo da cadeia evolutiva. As protagonistas
foram mulheres, como bem lembrava a obra prima cinematolográfica. As atrizes foram
perfeitas em cada gesto e, com a maquiagem e tinturas corporais provenientes de
ativos da biodiversidade regeneráveis, pareciam de fato com as pessoas que
representavam. A humildade de Dilma convidando Marina da Silva para um encontro
com a Chanceler Angela e a Sra. Obama. Revoluções nas agendas globais advindas
da coragem da primeira presidenta brasileira de convocar a reunião inesperada.
O aceite imediato de todas, em tese improvável, que levou toda a grande
imprensa do mundo a se movimentar para uma Ilha Grega, depois para a Acrópole
de Atenas; e daí para Tóquio e depois Shangai, em julho e agosto daquele ano de
2012... Primorosa era a cena que mostrava a objetividade e agilidade de
Michelle ao convencer o marido a enfrentar o Congresso em época eleitoral, bem
como sua criatividade ao envolver personalidades femininas da sociedade civil
do Irã, Iraque, Etiópia, China, Japão e Coréia. Grandes momentos da humanidade
sempre destacaram Grandes Líderes. Efeitos especiais jogando com o tempo,
luzes, sons e espaços espelhavam a alta capacidade de execução daquele quarteto
de mulheres que, em dois dias de trabalho intenso e ininterruptos, escreveu o
“Compromisso com a Mãe”, baseado na Carta da Terra. O grupo foi apelidado de
MODA, em homenagem às iniciais de Marina, Sra.Obama, Dilma e Angela. Até hoje
se discute se o predomínio brasileiro na indústria fashion global adveio do apelido do grupo, ou se já era um fenômeno
nascente que só se acelerou. Enfim, o MODA aterrissou as intenções conceituais
dos infinitos documentos escritos nos eventos políticos anteriores em um único compromisso
e formalizou programas pragmáticos de transformação. Houve a ação financeira de
unificação monetária gradual, com a moeda única, Gaia, gerenciada por uma
instituição central que reunia, em tempo integral, os melhores economistas de
todo o mundo, mas também psicólogos, filósofos, físicos, biólogos e teólogos. Ainda
em implementação em 2092, a união monetária vinha sofrendo com as postergações
da quitação de dívidas das antigas Grécia, Itália, Espanha, Portugal, Irlanda e
Argentina. Houve a regulamentação central da emissão de ativos governamentais
de longo prazo e teto à dívida planetária total. A regulação unificada dos
sistemas financeiros, o que acabou com os antigos paraísos fiscais e reduziu
ferozmente a capacidade de crescimento das indústrias das drogas e contrabando
de armas. Em Big Bang, no dia 07 de
setembro de 2012, foram eliminadas incondicionalmente todas as barreiras alfandegárias
não-tributárias. A confusão dos meses seguintes, que era prevista, foi o mal
necessário a uma das mais importantes decisões da humanidade. O complemento foi
o congelamento imediato, com redução gradual das tarifas comerciais. Assim como
dos subsídios às indústrias de petróleo, mineração e agrícola. A OMC foi
ampliada e adquiriu responsabilidades sobre o meio ambiente. Seu primeiro
projeto foi precificar os principais serviços ambientais e, após muita
discussão, organizar o mundo sobre as emissões de gases do efeito estufa: o
mercado de título foi eliminado e em seu lugar foi criada uma estrutura global
única de tributação. Idem para a água e espaços de descarte de resíduos,
inclusive oceanos e espaço sideral. Os serviços ambientais precificados causaram
imediata realocação de investimentos, inicialmente no G20, com novo foco em
infraestrutura sustentável e incentivo à P&D. Em 50 anos foi implementado o
compromisso de desarmamento integral da humanidade, com redirecionamento de
verbas para educação e saúde, e dos esforços em tecnologia bélica para a
colonização espacial, subterrânea e submarina em bases sustentáveis.
Extraordinários efeitos secundários ainda apareciam
e melhoravam a vida de qualidade dos humanos: da mudança radical nos sistemas
educacionais, ocorrida em torno de 2025, à proliferação de pequenas e ágeis
empresas e cooperativas em todo o mundo. O capitalismo se reinventou com a onda
empresarial de implosão dos grandes conglomerados, na década de 80. Como
mamutes darwinianamente buscando
sobrevivência, os conselhos de administração defenestraram executivos preocupados
com o próprio umbigo e em sustentarem suas remunerações inconsistentes com os
resultados que entregavam, e impingiram spin-offs
das unidades de negócio mais dinâmicas; era a única maneira de sobreviverem em mundo
de inovações sustentáveis e com o desempenho empresarial quantificado por
métodos contábeis mais lógicos, que levavam em conta e tributavam os custos
ambientais e não mais, por exemplo, o custo de pessoal.
Por indicação unânime, foi Marina quem liderou a
negociação com os grandes “prejudicados” da época: empresários de indústrias em
cadeias de valor ainda enterradas na mentalidade da era fóssil, a indústria
bélica formal e a “informal”, opositores políticos da iniciativa, tanto os
esperados do primeiro setor quanto alguns inesperados do terceiro setor.
Máscaras caíram...
Uma das grandes cenas do filme foi a da lágrima
escorrendo do olho de Marina ao fim do diálogo, em reunião no Tibete, com Hu
Jintao, líder do Partido Chinês. Assim que este aceitou tornar as reservas
financeiras da China as primeiras a serem transformadas em Gaia, caso seus
vizinhos asiáticos fizessem o mesmo. E abandonar o Tibete caso os Estados
Unidos, Rússia, Coréia, Índia, Paquistão concordassem em participar de um
programa de expansão interplanetária, com o concomitante redirecionamento da
indústria bélica para este fim. O abraço do Grande Líder na pequena amazona
contrariou protocolos formais do encontro e arrancou aplausos simultâneos no
mundo inteiro que assistia a tudo em equipamentos que eram chamados de televisão
a cabo e Internet. Não houve o Tsunami que a mídia catastrofista esperava, pelo
uníssono das palmas em frequência repetitiva.
Foi o abraço inesperado que, talvez por isso,
simbolizou uma nova forma de interagir da Nação Asiática com o resto do mundo.
Empolgante é uma palavra insuficiente para
descrever cada negociação da Marina, acompanhada pelos líderes religiosos de
todas as correntes, sempre de mãos dadas. Ao lado das quatro celebridades,
cinematográfica, da música, da literatura e da arte que foram escolhidos em uma
eleição com um bilhão de votantes, conduzida em parceria entre a rede Avaaz e o
Facebook. Justin Bieber era o único integrante do grupo do gênero masculino.
A delegação foi suportada, economicamente e na
estratégia de negociação, por empresários visionários da nova economia.
O holofilme fora eleito a décima maravilha da
humanidade e era o símbolo maior da era que já começava a ser chamada de “A
Ressureição Humana” por historiadores que discutiam semelhanças e diferenças em
relação à Renascença. Diversos estudos dissecavam Berlin, Nova York, Brasília e
Florença, procurando identificar, em bases científicas, as causas deste tipo de
fenômeno humano de ruptura, com o qual vez por outra, a esperança vencia o
medo.
Os humanos da geração de Eduardo e Luana puderam
presenciar a inauguração, com quase dez anos de atraso em relação aos
respectivos projetos, e muita reclamação da juventude da época, da primeira
megalópole submarina. A inauguração se dera durante a Rio+90 e o projeto ia
bem. A capital permanecia instalada e 1400 W e 400 N, no exato local do antigo
“Pacific Trash Vortex” ou “o Great Pacific Garbage Patch”, na região batizada
de “Marina Humana”.
A primeira cidade subterrânea no deserto
subsaariano nasceu na Rio+95, como piloto para colonização em outros planetas.
A primeira cidade lunar provavelmente estaria pronta na Rio+105. As denúncias
de corrupção já tinham sido investigadas e a conclusão fora que o atraso
ocorrera por pura incompetência de gestão e por recorrentes problemas nos
sistemas de TI, na década inicial do projeto.
Eduardo lembrou-se da filha, que morava em Marina.
Ela se dedicava ao estudo de um plano de soluções de longuíssimo prazo para a Humanidade.
Plano que envolvia colonização espacial sustentável e trabalhava com a visão de,
antes do ano 4024, propor uma solução de sobrevivência para a Humanidade,
inclusive com seleção de espécies animais e vegetais indispensáveis, para quando,
muito além no futuro, nosso Sol se transformar em Gigante Vermelha e depois em Anã
Branca. A inspiração do estudo veio da antiga ficção científica – a série
Fundação – criada por Isaac Asimov.
A nota dez que Eduardo deu a este evento adveio de
seu orgulho e gratidão de poder estar vivendo em tal momento da humanidade. Aí
percebeu um “detalhe técnico”: a teoria da Psicologia Positiva, ciência criada
por Martin Seligman, que ganhava peso na época da Rio Eco-92 e atingiu uso
amplo em 2050, não previa em que dimensão encaixar este evento. Não era pura emoção positiva, nem puro engajamento, nem puro relacionamento positivo, nem puro significado, nem pura realização. Pensou que a teoria, que
tinha virado quase um dogma humano, sendo usada em quase todos os lares e
sistemas educacionais do planeta, merecia ser revista. A teoria, assim como a
educação, a arte e mesmo a humanidade acaba, na prática, sendo outra, pensou
Eduardo. E sentiu sono. Entoou o koan
musicado com o qual apagava eletronicamente a iluminação da sua casa. Baixou
manualmente, da parede de garrafas recicladas, sua cama com o colchão dermocosméticoortopédico.
Deitou e dormiu, como desde sempre faziam os humanos. E sonhou com uma peça
para a Rio+110. Uma peça sobre a integração pacífica dos mutantes na sociedade
terrestre.